Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo do
dia 21/7/2012:
O último Censo do IBGE mostrou que 43 mil meninas
menores de 14 anos vivem relacionamentos estáveis no Brasil. Como a prática é
ilegal, a maioria vive em união consensual, sem registro.
É o retrato de uma cultura atrasada que ainda
sobrevive nos grotões de nosso país. Na maioria dos casos, fruto do
esquecimento secular por parte dos governantes.
Em comunidades mais pobres, e abandonadas, as
próprias famílias são responsáveis pelos casamentos, uma vez que as uniões
são vistas como fuga da pobreza. É a transformação em chaga social de um
sonho de criança de casar-se vestida de noiva. Mas de que tipo de menina nós
falamos?
Certamente não é da mesma menina urbana de um
cortiço paulistano ou da de uma favela carioca. Essas têm sonhos possíveis,
apesar de, na maioria, inalcançáveis. Falamos de outro mundo, em que, apesar
da televisão, o que prevalece é a história e a realidade materna. Destino
trágico.
Não muito diferente da sina de milhares de
meninas pobres no mundo em desenvolvimento, no qual as mulheres são pressionadas,
por motivos diversos, a casar-se e a ter filhos com pouca idade.
Nos países pobres, mais de 30% das jovens se
casam antes de completar 18 anos. Muitas meninas enfrentam pressões para
terem filhos o mais rapidamente possível, engravidam e morrem de hemorragia.
Os maridos não são fiéis e elas, com maior vulnerabilidade por causa da
idade, frequentemente também sucumbem a DSTs.
É uma realidade com nuances distintas. Na África
ocidental, a fome empurra jovens para o casamento precoce. Pais casam suas
filhas mais cedo em busca de dotes para ajudar as famílias a sobreviver.
O Níger tem o mais alto índice de casamento
infantil no mundo, com uma em cada duas jovens se casando antes dos 15 anos
-algumas delas com apenas sete anos.
No Brasil, a lei é clara ao classificar como
estupro qualquer envolvimento carnal com menores de 14 anos. Além de ser
crime, essas meninas também sofrem desvantagens em relação a saúde, educação,
relacionamentos sociais e pessoais em comparação com aquelas que se casam
mais tarde.
O que essas brasileirinhas vivem é inaceitável.
Enquanto não conseguimos tirá-las da miséria -e essa é uma prioridade de
nossa presidenta-, temos que protegê-las dessas relações perversas com ações
policiais firmes e campanhas para a eliminação do casamento de crianças.
Essas relações também impõem uma barreira às comunidades que procuram
aumentar os níveis de escolaridade e buscam diminuir os índices de pobreza.
As noivas meninas têm seu futuro comprometido e
seus direitos básicos de brincar e estudar violados. Se tornam meninas sem
presente e mulheres sem futuro.
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